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sexta-feira, 18 de abril de 2014

TALASSEMIA

Talassemia, também conhecida como anemia do Mediterrâneo, é uma doença hereditária trazida para o Brasil pelos habitantes dos países banhados pelo mar Mediterrâneo (portugueses, espanhóis, italianos, gregos, egípcios, libaneses). Sua principal característica é a produção anômala de hemoglobina, uma proteína do sangue responsável pelo transporte de oxigênio para todos os tecidos do organismo.
Existem dois tipos de talassemia – alpha e beta – que podem manifestar-se nas seguintes formas: minor, intermediária e major. A forma minor, ou traço talassêmico, produz um grau de anemia leve, assintomático e que pode passar totalmente despercebido. Na forma intermediária, a deficiência da síntese de hemoglobina é moderada e as consequências menos graves. Já a talassemia major, ou anemia de Cooley, é uma forma grave da doença, causada pela transmissão de dois genes defeituosos, um do pai e outro da mãe. Isso provoca anemia profunda e outras alterações orgânicas importantes, como o aumento do baço, atraso no crescimento e problemas nos ossos.
Sintomas
Os sintomas estão diretamente relacionados com a gravidade da doença. Os mais comuns são:
* Cansaço e fraqueza;
* Palidez e icterícia;
* Atraso no crescimento;
* Abdômen desenvolvido;
* Aumento do baço;
* Alterações ósseas.
Diagnóstico
Para estabelecer o diagnóstico, é importante levantar a história clinica e obter informações sobre a origem étnica do paciente. Exames de laboratório, entre eles a eletroforese de hemoglobina quantitativa e qualitativa, são importantes para determinar o tipo da doença.
Tratamento
A talassemia menor não demanda tratamento específico. Em certas circunstâncias (na gravidez, por exemplo), a suplementação com acido fólico pode trazer benefícios para os portadores da doença.
A talassemia intermediária pode requerer a indicação de transfusões de sangue com a finalidade de aumentar a oferta de glóbulos vermelhos.
Portador de talassemia maior necessita de transfusões de sangue regulares e de medicamentos para retirar o excesso de ferro que se acumula em determinados órgãos (terapia quelante do ferro). O transplante de medula óssea também pode constituir uma solução terapêutica nesses casos.
Recomendações
* Ainda não se conhece a cura para a talassemia, mas há opções de tratamento que tornam possível controlar a doença;
* O aconselhamento genético para os portadores dos genes alterados da talassemia é a única forma de os pais estimarem o risco de gerar um filho com a doença;
* Quanto mais cedo for detectado o problema e iniciado o tratamento, maiores serão as chances de a criança com talassemia maior chegar à vida adulta.

Tratamento Quelante

O que são: medicamentos com substâncias ativas capazes de se ligar ao ferro, produzindo assim um composto que pode ser excretado do organismo por meio da urina e/ou das fezes, dependendo da medicação utilizada. Sem a ajuda desses medicamentos, o organismo é incapaz de liberar o excesso de ferro do corpo.
Candidatos à terapia de quelação: pacientes com sobrecarga de ferro secundária a repetidas transfusões de sangue (talassemia, doença falciforme, mielodisplasia, anemias raras)
Quando iniciar a quelação do ferro: após 10-20 transfusões, ou quando os níveis de ferritina (proteína que reflete o estoque de ferro do corpo) estiverem acima de 1000 ng/dL (nanogramas por decilitro de sangue).
Quais os tipos de agentes quelantes: atualmente existem três tipos disponíveis de medicamentos quelantes de ferro para as pessoas com talassemia, cada um representando um marco específico na terapia da talassemia.
Deferoxamine (Desferal): Primeiro agente quelante de ferro disponível no mercado, surgiu na década de 70 e está disponível no SUS. A despeito de sua eficiência em eliminar o ferro do organismo, seu uso encontrou muita resistência entre as pessoas com talassemia porque sua administração é por via subcutânea, com ajuda de uma bomba de infusão, durante 12 a 14 horas contínuas (usualmente à noite, durante o sono), de cinco a sete vezes por semana. O ferro é eliminado pela urina, de modo que ela fica vermelha.
Deferiprone (Ferriprox): Segundo agente quelante de ferro a ser liberado, disponível no Brasil a partir de 2004 e no SUS a partir de 2006. Apresenta vantagens sobre a deferoxamine, entre elas a de ser administrado por via oral. A dose total deve ser dividida em três tomadas ao dia (a cada 8 horas). Os estudos mostram que tem capacidade de eliminar o excesso de ferro do organismo, especialmente do coração. Em alguns casos, a associação de deferoxamine e deferiprone é recomendada para intensificação do tratamento. O ferro é eliminado pela urina, de modo que ela fica vermelha.
Deferasirox (Exjade): É a medicação quelante de ferro mais recente, aprovada no Brasil em 2006 e disponível no SUS desde 2009. Sua administração é por via oral, o comprimido deve ser dissolvido em água ou suco de laranja ou maça e a dose total é administrada apenas uma vez ao dia. Os estudos mostram que é eficiente em eliminar a sobrecarga de ferro no fígado e no coração. Estudos com grande número de pacientes demonstraram sua eficácia em pacientes com talassemia, doença falciforme, mielodisplasia e anemias raras. O ferro é eliminado pelas fezes, de modo que a urina tem coloração normal.
Como a terapia pode ser aplicada: o tratamento quelante de ferro pode ser feito com monoterapia (Desferal ou Ferriprox ou Exjade) ou com terapia combinada (Desferal junto com Ferriprox). Estudo com Exjade em monoterapia demonstra eficácia na quelação do ferro cardíaco. O seu hematologista é quem vai determinar a melhor terapia para você.
De acordo com os especialistas, não há um agente quelante melhor do que os demais, e a escolha da droga ideal para cada pessoa com talassemia deve considerar fatores como efeitos colaterais, quantidade de ferro acumulada no fígado e no coração, estado clínico do paciente, etc. Apenas o médico assistente será capaz de estabelecer o melhor tratamento a seguir e, para ajudá-lo, o Comitê Científico Médico da ABRASTA desenvolveu um protocolo de quelação do ferro (os especialistas podem acessá-lo através da área do site: Suporte aos Médicos, no link Protocolo de tratamento).
Advertência do especialista: A terapia de quelação deve ser indicada e monitorizada por um especialista em Hematologia, de um centro especializado, de maneira a permitir a monitoração periódica com modificação da medicação de acordo com as necessidades
Obtenção via SUS, procedimento:
  • O paciente deve procurar a central de atendimento, no local onde faz tratamento, e perguntar onde fica o posto de saúde ou farmácia de alto custo do SUS mais próxima na entrega medicamentos.
  • Após essa informação, o paciente deve dirigir-se ao local informado e pedir um formulário que devera ser entregue ao médico que faz tratamento, junto com os outros documentos também solicitados pelo posto.
  • Com o formulário preenchido e os documentos em mãos, entregar novamente no posto de saúde ou farmácia de alto custo, sendo entregue um protocolo de confirmação.
  • No prazo estimado de 15 a 30 dias, haverá um telegrama informando que o medicamento já esta disponível para retirada.
  • No caso de negação do posto ou farmácia de alto custo, a medida cabível é a via judicial.
Havendo a necessidade do judiciário, a parte deve procurar um advogado podendo ser particular ou utilizar-se a Defensoria Publica (para famílias que ganham até três salários mínimos). A ação deve conter o pedido de liminar em caráter de urgência, no qual, o juiz apreciará em de 48 horas. Porém, o autor deve estar manado de alguns documentos como: a negativa do pedido do medicamento por escrito pela Secretaria e um relatório atual e detalhado do seu médico demonstrando a sua necessidade clínica em utilizar o medicamento.
Na maioria das vezes o resultado é positivo, o importante é não desistir.
Complicações do uso de agentes quelantes de ferro
Tal como qualquer medicamento, os agentes quelantes causam alguns efeitos colaterais que devem ser considerados, já que a pessoa com talassemia periodicamente utiliza este tipo de medicação. Aprenda o que cada uma das três drogas atualmente indicadas para a quelação podem causar a sua saúde, e como se proteger. Vale a pena mencionar que o uso frequente aumenta os riscos de alguns problemas, o que não quer dizer que necessariamente ocorrerão:
Deferoxamina: Alta frequência de perda ou déficit auditivo, catarata ou redução no crescimento da coluna lombar.
PREVENÇÃO
Avaliação auditiva e exame de fundo de olho anuais. Controle de peso e estatura.
Deferipirona: Neutropenia (redução na quantidade de células brancas ou de defesa), o que pode favorecer infecções oportunistas.
PREVENÇÃO
Realizar um Hemograma a cada 10 dias, interromper o tratamento imediatamente em caso de febre ou sinais de infecção, buscando imediatamente aconselhamento médico.
Desferasirox: Aumento de creatinina relatado em alguns pacientes
PREVENÇÃO
Execução de exames para avaliar o funcionamento dos rins antes do início do tratamento e, posteriormente, uma vez por mês. Deve-se manter a hidratação adequada e ter cautela principalmente em pacientes que já apresentem alguma alteração renal antes do início do tratamento.

Epidemiologia

EPIDEMIOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME E RESISTÊNCIA À MALÁRIA

A anemia falciforme normalmente manifesta-se na infância e ocorre maioritariamente em indivíduos que habitam ou são oriundos de zonas onde a malária é endémica. 1/3 dos habitantes indígenas da África subsariana apresentam o gene responsável por esta enfermidade.
Como se trata de uma doença autossómica recessiva, como já referido, apenas indivíduos homozigóticos (HbS) para este gene apresentam a doença, enquanto indivíduos heterozigóticos (HbAS) são portadores. Como o gene mutado apresenta uma recessividade incompleta, os indivíduos heterozigóticos apresentam algum conteúdo de eritrócitos falciformes. Esta condição embora não seja suficiente para promover sintomas adversos confere uma vantagem heterozigótica de resistência à malária. A infecção de eritrócitos falciformes pelo parasita T. Plasmodium leva à lise destas células, o que retarda a progressão da infecção parasítica.
Como se pode observar pela imagem 1 existe uma sobreposição entre os locais de incidência da anemia falciforme e os locais onde a infecção por malária é endémica. Tal deve-se a uma sobrevivência selectiva dos indivíduos portadores da anemia falciforme por apresentarem resistência à malária.
 
Figura 1- Na imagem à esquerda encontra-se representada em gradiente de roxo a frequência de indivíduos portadores de anemia falciforme.Na imagem à direita encontra-se representada as zonas consideradas endémicas para a malária. Salienta-se o facto de actualmente considerar-se que na Europa esta doença considera-se foi extinta.
Estudos de RFLP sugerem que a mutação que deu origem ao gene indutor desta patologia ocorreu espontaneamente há 70000 a 150000 anos em pelo menos 4 regiões geográficas distintas. Posto isto, são distinguíveis quatro variantes deste gene. As variantes Senegalesa e Saudi-Asian apresentam sintomas mais moderados por manifestarem níveis mais elevados de Hemoglobina F.

EPIDEMIOLOGIA DAS TALASSEMIAS E RESISTÊNCIA À MALÁRIA

As talassemias foram originalmente consideradas como uma doença limitada à região do Mediterrâneo, tendo sido essa associação geográfica responsável pela sua designação: Thalassa (θάλασσα) é grego para o mar, Haema (αἷμα) é grego para o sangue. No entanto, sabe-se agora que a sua manifestação se encontra dispersa pelo Globo, sendo particularmente prevalecente nas regiões que foram (ou são) endémicas para a malária.
A migração populacional e o casamento entre indivíduos de etnias diferentes permitiram a introdução das talassemias em quase todos os países do mundo, incluindo no norte da Europa onde estas doenças não existiam anteriormente, mas que agora revelam ser um importante problema ao nível da saúde pública.
Foram identificadas em toda a Europa, desde Portugal a Espanha, Itália e Grécia, bem como em vários países da Europa Central e partes da antiga União Soviética. Na Europa, a maior convergência da doença dá-se na Grécia e na Itália, em particular no sul de Itália. As principais ilhas do Mediterrâneo (com excepção das Baleares), como a Sicília, Sardenha, Malta, Córsega, Creta e Chipre são particular e fortemente afectadas.
As talassemias afectam também o Médio Oriente, desde o Irão, ao Paquistão, Índia, Bangladesh, Tailândia, Malásia, Indonésia e China, bem como os países Norte Africanos e da América do Sul.
A maior percentagem de portadores no mundo encontra-se nas Maldivas, reflectindo 18% da população portadora.  
A talassemia pode conferir um grau de protecção contra a malária, que é (ou foi) predominante nas regiões onde o traço é comum, conferindo assim uma vantagem de sobrevivência selectiva sobre portadores, perpetuando a mutação. Neste aspecto, as talassemias assemelham-se a outra doença genética que afecta a Hemoglobina, a anemia falciforme.

Diagnóstico e Prevenção

ANEMIA FALCIFORME

 Diagnóstico
A anemia falciforme ao interferir com os níveis de hemoglobina apresenta consequências hematológicas, as quais podem ser rastreadas como medida de diagnóstico. Das manifestações hematológicas que servem de diagnóstico para esta doença são de salientar uma contagem elevada de reticulócitos simultaneamente a níveis de hemoglobina no sangue na ordem de 6 a 8 g/dL.
Contudo, o método de diagnóstico mais recorrente e eficaz passa pelo recurso à técnica de electroforese de hemoglobina. Esta técnica permite, por electroforese em gel, identificar e distinguir os vários isotipos da hemoglobina e, assim, atribuir um genótipo ao indivíduo em questão. O diagnóstico conferido por esta técnica pode ser confirmado por recurso a técnicas de HPLC. Estas técnicas de diagnóstico permitem ainda identificar doenças associadas a anemia falciforme, como a presença de hemoglobina C e talassemias e são utilizadas como meio de rastreio em todos os recém-nascidos.

Cuidados e Prevenção
Tanto indivíduos portadores como afectados pela anemia falciforme devem apresentar cuidados especiais:
  • ·Realizar check up’s regulares, especialmente aos órgãos mais propensos a afecções (coração, rins e baço);
  • ·Tomar um suplemento diário de ácido fólico, o qual vai favorecer a síntese de eritrócitos;
  • ·Beber água abundantemente;
  • ·Evitar temperaturas extremas e mudanças rápidas das mesmas;
  • ·Repouso adequado;
  • ·Levar um estilo de vida saudável com uma dieta equilibrada.

TALASSEMIAS

Diagnóstico
Assim como para a anemia falciforme, também as talassemias interferem com os vários níveis de hemoglobina, pelo que as suas consequências hematológicas podem ser usadas como medida de diagnóstico. Existem vários testes laboratoriais que permitem verificar estas alterações.
- Complete Blood Count (CBC):  medição do nível de Hb e outros parâmetros relacionados com o número e volume dos eritrócitos (MCV – mean corpuscular volume) e a concentração de Hb (MHC – mean corpuscular heamoglobin).
Total Iron Binding Capacoty (TIBC) – Quando é obtido um baixo valor de MCV, é necessário proceder a testes adicionais para confirmar a presença de um traço talassémico, determinar o seu tipo e excluir uma deficiência em ferro como causa do baixo valor de MCV.
Electroforese de Hb – permite uma medição quantitavida de Hb A e Hb A2, os compomentes maioritários e minoritários da Hb adulta, respectivamente. Esta técnica permite também, através de uma análise comparativa das Hb presentes na amostra, determinar qual o tipo de talassemia que se faz sentir.
Antigamente, a presença de um traço α-talassémico era realizado com base num processo de exclusão ou dedução: indivíduos com um baixo MCV (mas não devido a uma deficiência em ferro), com uma electroforese de hemoglobina normal que não identifica β-talassemia e que provêm de regiões com elevada incidência no traço, são presumidos serem portadores do mesmo. Nos dias que correm existem técnicas laboratoriais mais sofisticadas e avançadas, como o HPLC que permite um diagnóstico exacto.
Nalguns casos é necessário realizar testes de DNA para determinar a presença ou ausência de uma α ou β talassemia. Este tipo de abordagem tem sido cada vez mais utilizada.

Cuidados e Prevenção
As talassemias são a doença genética hereditária mais comum entre o Homem. É preciso ter consciência o seu impacto na vida de uma pessoa: mesmo que não apresente sintomas clínicos pode vir a transmitir à descendência e permitir a propagação da mesma.
Na maioria dos casos, simples testes laboratoriais podem identificar se uma pessoa possui o traço da talassemia. No entanto, antes da realização destes exames é importante que os indivíduos recebam aconselhamento genético, sempre que possível, fornecendo-lhes informação, aconselhamento e orientação sobre o motivo pelo qual devem ser testados e o significado que os resultados poderão ter. Um conselheiro genético deverá discutir aspectos importantes da prevenção, mas também da própria doença, incluindo:
- Onde a ser testado;
- Como interpretar os resultados dos testes;
- O que significa ser um portador, incluindo as opções disponíveis para dois portadores que tenham planeado descendência;
- A natureza do tratamento da talassemia major ou outro tipo de distúrbio da Hb ou doença genética.

Sintomas e Terapia

ANEMIA FALCIFORME

A anemia falciforme apresenta um vasto quadro clínico de manifestações por episódios ou crises. Estas podem ser provocadas por, entre outras condições, infecções, hipoxia, acidose, exercício físico, desidratação hipertónica e vasoconstrição por frio. A maior parte das complicações associadas a um episódio são potencialmente letais.
Actualmente não existe cura para a anemia falciforme, sendo a terapia meramente paliativa, ou seja, empregue como medida de minimizar os sintomas. Transplantes de medula óssea em casos raros permitem reverter esta patologia, contudo apresentam um elevado risco associado.
Indivíduos portadores normalmente não apresentam complicações ou manifestações da doença, porém, podem em casos raros apresentar problemas de desidratação após exercícios extremo, apresentar danos hepáticos e risco acrescido de complicações oftalmológicas.
As crises em anemia falciforme são maioritariamente de 5 tipos e a maioria apresenta uma duração média de 5 a 7 dias:
·         Crise de vaso-obstrução;
·         Crise de Sequestração;
·         Crise aplastica ou reticulocitopenia e,
·         Crise hiper-hemolítica.
A todas as crises encontra-se associado baixos níveis de eritrócitos maturos funcionais, ou seja, anemia. A crise de vaso obstrução é a forma mais recorrente em indivíduos adultos, enquanto a crise de sequestração é mais preocupante em crianças.

Crise de vaso-obstrução
Causada por agregação dos eritrócitos falciformes, formando uma obstrução nos capilares, o que restringe o fluxo sanguíneo para um órgão e resulta na sua necrose e dor. A terapia a este tipo de crise passa pela hidratação e recurso ou a anti-inflamatórios não esteróides (AINE), em casos moderados ou, em casos mais severos, a analgésicos opióides em intervalos regulares durante a incidência do episódio. São igualmente recomendados exercícios respiratórios para minimizar o progresso de ateclasia (trocas gasosas insuficientes nos alvéolos).
Uma vez que durante as infecções o endotélio dos vasos sanguíneos promove a síntese de adesinas, a adesão de eritrócitos com formação de trombos é favorecida por infecções. Isto resulta numa danificação do vaso no local em questão. Este processo é ainda induzido pela a ruptura de eritrócitos libertar hemoglobina e arginase. A hemoglobina sob a forma livre vai consumir o óxido nítrico disponível. Por outro lado, a arginase vai degradar a arginina, o precursor do óxido nítrico. Posto que o óxido nítrico actua como um vaso dilatador endógeno, a depleção do nível deste vai promover a vasoconstrição do vaso que cria um ciclo no processo molecular subjacente a este tipo de crise.
Figura 1 - Esquema da vaso-obstrução causada pelos eritrócitos falciformes
A Hemoglobina em excesso no sangue é metabolizada a bilirrubina no fígado. A bilirrubina é um precursor na síntese de bílis e o seu excesso causa icterícia, uma patologia assinalada pela cor amarelada da pele e córnea dos olhos.
Nos rins, devido aos eritrócitos se encontrarem sujeitos a desidratação e a baixos níveis de oxigénio, são locais com propensão para ocorrência de crises de vaso-obstrução, pelo que são comuns sintomas de deterioração dos rins tanto em indivíduos com anemia falciforme ou portadores desta patologia. Como os rins são responsáveis por manter o nível de hidratação de um indivíduo, encontra-se associado a uma deterioração destes um maior nível de desidratação que apresenta o potencial de desencadear crises de anemia falciforme, criando, no caso do indivíduo não tomar cuidados para controlar o seu nível de hidratação, um ciclo de amplificação da patologia.
 

Crise de sequestração

O baço é responsável pela remoção de eritrócitos defeituosos do sangue e, por apresentar vasos sanguíneos estreitos, apresenta uma propensão para formar obstruções principalmente nas veias eferentes. Isto resulta numa acumulação de sangue no baço que conduz simultaneamente a um inchaço progressivo deste e uma diminuição do conteúdo em hemoglobina no sangue. Esta condição conduz à morte do indivíduo no espaço de uma a duas horas se não tratada.
O baço pertence igualmente ao sistema linfóide, sendo responsável pela resposta imune a infecções no sangue. Assim, um baço débil conduz a infecções recorrentes, especialmente de microorganismos encapsulados. Esta condição normalmente incide nos primeiros meses de vida, razão pela qual é recomendado o uso sistemático de antibióticos em crianças com anemia falciforme. Crianças com anemia falciforme apresentam infecções recorrentes com pneumonia.

 

Crise Aplastica e Crise Hiper-Hemolítica
A Crise Aplastica é caracterizada por um baixo número de reticulócitos, células precursoras dos eritrócitos. Na anemia falciforme é causada por uma diminuição brusca do número de eritrócitos num intervalo de tempo que não permite uma reposição eficiente das mesmas pela medula óssea. A depleção de eritrócitos pode ser resultado duma síntese deficiente de reticulócitos (eritropoiese), normalmente resultado de uma infecção por parvovírus B19, ou a uma degradação exacerbada de eritrócitos (Crise Hiper-Hemolítica), que pode causar uma crise anémica severa.

Outra complicação frequentemente associada a anemia falciforme é o síndroma de dor aguda do peito, descrito por febre, dor do peito, dificuldades respiratórias e presença de infiltração pulmonar, identificável por recurso a um raio-X torácico. O quadro clínico deste sintoma apresenta uma elevada sobreposição com o da pneumonia, pelo que o tratamento administrado nesta situação visa a resolução dos dois tipos de complicações. O embolismo pela obstrução das vénulas do pulmão por aglomerados de eritrócitos falciformes apresenta a capacidade de alastrar e, assim, causar a morte. A terapia para este síndroma passa por administração de oxigénio, transfusões sanguíneas e uso de antibióticos.

Tratamentos Futuros
Actualmente encontram-se sobre investigação várias alternativas que permitem prevenir episódios de anemia falciforme, das quais se salienta a possibilidade de terapia genética. Contudo, actualmente o tratamento profiláctico mais promissor é a Hidroxiureia. Comprovou-se que este fármaco diminui a incidência e severidade de crises e apresenta um potencial de prolongar a esperança de vida dos afectados por esta doença. O método de acção deste passa por incentivar a produção de hemoglobina F, a variante fetal e, que não apresenta propriedades patológicas.
Também se encontra em investigação a potencialidade do ácido butírico como indutor de eritrócitos. A terapia com óxido nítrico que visa compensar os níveis baixos destes em indivíduos com anemia falciforme encontra-se igualmente em estudo.

TALASSEMIAS

Nas α-talassemias, as anomalias na síntese das globinas tem duas consequências principais:
- A produção de hemoglobina normal é inadequada, causando hipocromia (eritrócitos pálidos devido à diminuta quantidade de hemoglobina) emicrocitose (eritrócitos muito pequenos). Estas anomalias morfológicas são facilmente observáveis na análise ao microscópio óptico de uma gota de sangue periférico.
- As cadeias das globinas não afectadas produzem-se em quantidades normais e a sua precipitação nos eritrócitos é responsável pela suadestruição no baço e consequente anemia hemolítica.
Enquanto as α0-talassemias provocam anemia ligeira, microcitose e hipocromia, as α+-talassemias são normalmente silenciosas no que diz respeito a sintomas e dados laboratoriais. Os doentes com Hb H mostram hemólise evidente, incluindo icterícia neonatal e anemia significativa. As α+ e α0 talassemias não requerem tratamento mas apenas aconselhamento genético. A hemoglobina H trata-se comesplenectomia (remoção do baço) se a anemia for severa, uso judicioso de transfusões sanguíneas e evitando a exposição a agentes oxidantes.
Por outro lado, a severidade das β-talassemias prende-se com o grau de desequilíbrio entre as cadeias de globinas. Um defeito na síntese das cadeias β leva a um excesso de cadeias α que precipitam nuns precursores eritrocitários, impedindo uma eritropoiese normal (Figura 2).
 Figura 2 - Factores que modificam o fenótipo de uma β-talassemia.

As cadeias α-globina em excesso precipitam nos eritroblastos e originam uma acentuada destruição dos mesmos na medula óssea e dos eritrócitos no baço e no sangue periférico (anemia hemolítica). A anemia severa provoca a expansão da medula óssea.
Os doentes homozigóticos apresentam anemia profunda com insuficiência cardíaca congestiva, excesso de ferro resultante do aumento da absorção deste nutriente mineral no tubo digestivo e um esfregaço de sangue periférico dramático, com marcada hipocromia,microcitose, formas bizarras (poiquilócitos) e eritroblastose maciça na medula óssea. 
A forma severa desta doença implica dependência de transfusões sanguíneas, o que agrava a acumulação de ferro no organismo. Alguns doentes têm apenas anemias moderadas que requerem transfusões ocasionais (β-talassemia intermédia).
Os heterozigóticos (traço da β-talassemia) são normalmente assintomáticos.
Regra geral, para α-talassemias e β-talassemias:

Talassemia major e Intermédia – a maioria dos pacientes com talassemia major recebe transfusões de sangue com elevada frequência que levam a uma acumulação de ferro no sistema. É por isso necessário proceder a tratamentos de quelação do ferro para impedir que a sua acumulação danifique os órgãos internos destes indivíduos.
Uma talassemia major não tratada conduz eventualmente para a morte, normalmente devido a uma falha cardíaca. O transplante de medula óssea é a única cura para a talassemia e é indicada para pacientes com esta patologia, podendo eliminar a dependência dos pacientes para as transfusões sanguíneas.
Os indivíduos que apresentam sintomas de talassemia intermédia variam na necessidade e intensidade dos tratamentos, os quais dependem da severidade da anemia. No entanto, todos os pacientes estão sujeitos a complicações que envolvam o baço (pelo que é removido – esplenectomia) e pedras na vesícula. Estas complicações são principalmente predominantes nestes dois tipos de talassemia.
Talassemia minor – muitas vezes esta patologia é confundida com depleção de ferro no organismo e é recomendado a um paciente um tratamento que aumente os níveis de ferro. Normalmente indivíduos com esta patologia não necessitam de nenhum tratamento específico.
Um indivíduo talassémico, devido às principais consequências que a patologia acarreta, pode apresentar um crescimento deficiente, dificuldades no desempenho de uma actividade física (regular ou não), deformações e fragilidades ósseas e ainda um inchaço ao nível do fígado e baço.

Hereditariedade

A perpetuação deste tipo de doenças à descendência depende dos progenitores, dado que se trata de uma doença autossómica recessiva. De seguida apresentamos uns exemplos para melhor compreender os processos de transmissão destas patologias.

Casais em que pelo menos um dos indivíduos seja portador do gene da HbS recorrem frequentemente a consultas de aconselhamento genético antes de conceber. Durante a gestação é possível identificar o genotipo do feto através de amostras do fluido amniótico.
 
Considerando um casal em que ambos os progenitores sejam portadores de uma beta talassemia, onde a “r” está designado o gene defeituoso/em falta, e “R” para o gene normal. Em cada gravidez existem as seguintes probabilidades:
- 1 em 4 de que a criança herde as duas cópias “r” dos seus progenitores. A criança terá uma beta talassemia major.
- 1 em 4 da criança herdar as duas cópias “R”; será uma criança normal e não portadora da condição.
- 1 em 2 da criança herdar uma cópia “r” e outra “R”, o que significa que seria um portador não afectado com beta talassemia minor.
A imagem 1 esquematiza a situação:
  
 
Figura 1 - Hereditariedade autossómica recessiva. Cenário hipotético em que os dois progenitores são portadores de uma ß talassemia minor. O gene não funcional (em falta) é representado po "r" e o gene funcional da cadeia ß é representado por "R".
 
 No entanto, se apenas um progenitor for portador de um gene defeituoso ou em falta, o seguinte cenário é tido em consideração:- Existe 50% de probabilidade da criança não ser portadora da condição ou vice-versa.
 
 
 Figura 2 - Hereditariedade autossómica recessiva. Cenário hipotético em que apenas um progenitor  é portador de uma ß talassemia minor. O gene não funcional (em falta) é representado po "r" e o gene funcional da cadeia ß é representado por "R".
 Tanto a anemia falciforme como a beta talassemia são doenças autossómicas recessivas, pelo que o seu padrão de hereditariedade é idêntico. Contudo, no caso da anemia falciforme, indivíduos heterozigóticos são portadores da doença sem apresentarem manisfestações fenotipicas relevantes.
O padrão de hereditariedade para as alfa talassemia é mais complexo devido à existência não de dois, mas de quatro genes que codificam para a α-globina.
Existem vários estados possíveis para um portador de uma alfa talassemia, como se pode observar na Figura 3.
Figura 3 - Possíveis estados de um portador com uma alfa talassemia.Os genes da cadeia α em falta são representados por (-) e as cópias funcionais por "a".
 
Assim um indivíduo pode ser um portador silencioso, se apenas um gene estiver comprometido, ou possuir um traço α0 ou α+ talassémico quando dois genes estão em falta. Por outro lado, pode também ter a doença de Hb B ou Hb Bart (Hidropsia Fetal).Na figura que se segue (Figura 4) vemos um exemplo de uma situação hipotética:
 
 Figura 4 - Hereditariedade autossómica recessiva. Cenário hipotético em que ambos os progenitores uma α talassemia minor (α0). Os genes da cadeia α em falta são representados por (-) e as cópias funcionais por "a".
 

Sendo ambos os progenitores portadores de uma α-talassemia (α0), existe 24% de hipótese que uma criança nasça com uma forma severa de uma α-talassemia major, a Hidropsia Fetal Hb Barts.
É importante um casal saber se são transportadores genéticos para as talassemias, bem como o tipo para qual cada um é transportador. É necessário que ambos os pais sejam transportadores do mesmo traço genético para que exista uma hipótese de uma criança vir a ter talassemia major.

Genética e Bioquímica continuação

ALFA TALASSEMIA

O agrupamento de genes alfa está localizado no braço p do cromossoma 16, e contém três genes activos: o gene zeta da fase embrionária, e os genes α1 e α2. A sequência de bases azotadas nos dois genes α é idêntica e actualmente sabe-se que o gene α2 produz cerca de duas a três vezes mais mRNA que o gene α1, porém, a mensagem do gene α1 é traduzida com maior rapidez e, por isso, a diferença de síntese entre os dois genes não é tão significativa como se esperava. É importante destacar que no agrupamento de genes alfa, existem duas regiões hipervariáveis.
Por essa razão ocorrem variações consideráveis na estrutura do agrupamento de genes alfa em pessoas consideradas normais para a expressão de síntese de globina alfa.
As mutações mais comuns que afectam as actividades de síntese da α-globina podem ocorrer por deleção e não-deleção. As deleções ocorrem principalmente durante eventos de “crossing-over” desigual devido ao desalinhamento entre os cromossomas 16 durante o processo de meiose (Figura 3).
 
 Figura 3 - Crossing-over desigual entre dois cromossomas 16. Inserção de três genes alfa (α2211) num dos cromossomas, e representado por αααanti3,7. No outro cromossoma, restou apenas um gene híbrido (α1, α2), e representado por  -a3,7.
O “crossing-over” entre as regiões homólogas, geralmente envolve mudanças entre os genes α1 e α2 removendo as porções de 3,7Kb de DNA, e deixando um simples gene α2, ou um gene alfa híbrido α1 / α2, num dos cromossomas. No outro cromossoma com três genes alfa (ααα), o portador não é afectado, pois não se demonstrou até ao presente nenhuma desvantagem selectiva, desde que associado a combinações, com os genes do tipo β normais.
 
 Figura 4 - Localização das regiões de regulação a montante, do α-gene-cluster definidas pelos locais de hipersensibilidade a DNase.
As α0 talassemias normalmente resultam de uma deleção parcial ou total de ambos os genes das α-globinas (linked genes), ou de deleções na região HS-40, a montante dos genes. A deleção ou inactivação por mutação num dos genes α conduz a uma α+ talassemia.

BETA TALASSEMIA

As β-talassemias constituem um grupo de alterações genéticas da síntese de hemoglobina extremamente diverso e que resulta na diminuição da β-globina. Clinicamente revelam uma grande variação em relação a sintomas e manifestações, o que se deve a factores genéticos e adquiridos. A variabilidade clínica e hematológica sugere heterogeneidade genética, que é confirmada actualmente pelo vasto número de mutações que originam as β-talassemias.
Grande parte das β-talassemias são determinadas por mutações que afectam um pequeno número de pares de bases e interferem na transcrição, processamento, transporte, estabilidade e tradução do mRNA, ocorrendo também casos de variantes de cadeias polipeptídicas, dentro das quais podemos citar:
 - Mutações que afectam a transcrição – concentram-se na substituição de nucleótidos na “TATA box” na região promotora 5’ do gene β. Estão geralmente associadas a fenótipos moderados com início de transcrição reduzido. São observadas variações fenotípicas em função de algumas etnias, sendo provavelmente influenciadas pela presença ou ausência de um nucleótido na região promotora.
Mutações que alteram o mRNA – as mutações que afectam a estabilidade do mRNA podem ocorrer na extremidade 5’, como na região de clivagem do mRNA e no sinal de poliadenilação da extremidade 3’, reduzindo o processo de transcrição e ainda alterando a estabilidade do transcrito que é produzido.
Mutações que afectam a tradução – uma β-talassemia pode também ocorrer devido ao aparecimento de mutações non-sense, que formam codões stop prematuros, interrompendo a tradução.
Deleções – muitas envolvem os genes delta e beta simultâneamente. A deleção mais comum remove 619 pares de bases do intrão 2, do exão 3 e da sequência 3, do gene beta. Outras possuem particular interesse, porque deixam o gene beta intacto com expressão silenciosa, mas são formas demasiado raras para serem identificadas.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Genética e Bioquímica

ANEMIA FALCIFOrme 

Uma mutação pontual no gene da Hemoglobina Beta (HBB), localizado no braço p do cromossoma 11, apresenta-se como a causa molecular desta doença. A mutação de uma timina por uma adenina na sequência deste gene, troca o sexto codão CAG por um codão CTG. Tal reflecte-se na substituição do aminoácido glutamato, de carácter hidrófilo, por uma valina, de carácter hidrofóbico na proteína. O gene com a presença de mutação denomina-se de HbS em oposição a HbA para o gene normal.Esta alteração não conduz a alterações nas estruturas secundária, terciária e quaternária da proteína em condições de normóxia. Contudo, em condições de hipoxia, a proteína apresenta intrinsecamente uma bolsa hidrófoba que permite a associação da valina de uma cadeia β mutada de uma proteína de hemoglobina próxima e, assim, a polimerização da hemoglobina com formação de fibras.
 A deposição das fibras de hemoglobina resulta numa diminuição da flexibilidade dos eritrócitos, que adquirem uma forma em foice. Quando ocorre a reoxigenação há a possibilidade de o processo se reverter e, assim, um eritrócito pode sofrer vários ciclos de deformação que o vão progressivamente deteriorando.
Figura 2 - Esquema representativo dos efeitos da polimerização da  Hemoglobina S
O tempo de vida média de um eritrócito falciforme é de 10 a 20 dias por oposição a 90 a 120 dias de um eritrócito normal.
O porte dos eritrócitos falciformes encontra-se associado a uma série de riscos e complicações, dos quais se salienta a obstrução dos vasos sanguíneos, e consequente degeneração dos tecidos por isquémia.